terça-feira, 18 de outubro de 2011

XIII Capítulo Geral da OFS - Brasil, 22 a 29 de Outubro de 2011

Por Frei Almir R. Guimarães, OFM

Os franciscanos seculares do mundo estarão reunidos em Capítulo na cidade de São Paulo na segunda quinzena do mês de outubro deste ano de 2011. Os irmãos e as irmãs haverão de tratar das coisas que lhes concernem no espírito daquelas reuniões que Francisco realizava com os seus irmãos. Falando desses encontros assim se exprime Éloi Leclerc: “Uma ou duas vezes ao ano, todos os frades se reúnem em capítulo. Esses encontros desempenham papel importantíssimo na vida da fraternidade. Os capítulos não são somente um tempo forte durante o qual os irmãos, na alegria do reencontro, se reabastecem na oração e no louvor, mas também ocasião de tomada de consciência comum: todos e cada um se sentem solidários e responsáveis pela vida do grupo e sua missão no mundo (...) Nessas assembleias democráticas, onde reina a grande liberdade dos filhos de Deus, os irmãos discutem seus problemas, comunicam suas experiências e escolhem seus responsáveis. Elaboram, redigem e promulgam leis, definem orientações do grupo e tomam as grandes decisões que nortearão o futuro da comunidade” (Francisco de Assis. O Retorno ao Evangelho, Vozes, p. 60-61).

 

Ao longo do tempo que foi se passando desde a aprovação da Regra da OFS (1978), as feições dos franciscanos seculares foram se transformando. Foram ganhando um novo perfil com a atualização do carisma presente nas Regras anteriores e codificado de maneira nova e atualizada na Regra conhecida como de Paulo VI. Ora, os Capítulos são ocasião de examinar como anda a compreensão, assimilação e vivência deste tesouro de que dispõem os franciscanos seculares que é a Regra. Não é aqui o lugar de elencar todas as linhas mestras da Regra. Os responsáveis pela animação internacional da Ordem resolveram que fosse tema do Capítulo de São Paulo a questão da evangelização. O tema foi formulado num duplo movimento: os franciscanos seculares se evangelizam para evangelizar.


À guisa de ilustração do tema transcrevo apenas dois tópicos da Regra. O primeiro vai na linha do se deixar evangelizar: “Como irmãos e irmãs da penitência, em virtude da sua vocação, impulsionados pela dinâmica do Evangelho, conformem seu modo de pensar e de agir ao de Cristo, mediante uma radical transformação interior que o próprio Evangelho designa pelo nome de conversão, a qual devido à fragilidade humana deve ser realizada todos os dias” (n.7). O segundo é convite à ação: “Estejam presentes pelo testemunho da própria vida humana, e ainda por iniciativas corajosas, individuais e comunitárias, na promoção da justiça, em particular no âmbito da vida pública, comprometendo-se em opções concretas e coerentes com sua fé (n.15).


Nunca cessamos de nos converter. Francisco falava de começar tudo de novo. Nossas fraternidades estão sempre recomeçando. Tudo está por ser feito. Os que são encarregados de visitar os irmãos em suas fraternidades concretas constatamos neles a presença de santos esperando o momento da chegada da glória. De outro lado, também, vemos muita carência da força do Evangelho no trato entre os irmãos, nas reuniões, no coração dos irmãos. Os franciscanos seculares, através da formação, da vivência da Regra, no cultivo da delicadeza do coração estão sempre sendo evangelizados. Nossos irmãos são seguidores do Cristo vivo. Esse processo de conversão se manifesta de vários modos. Transcrevo algumas linhas do Manuale per l’Assistenza all’OFS e alla GiFra: “Os franciscanos seculares seguem o Jesus dos Evangelhos que foi o centro da vida de Francisco. Na medida em que soubermos partilhar o primitivo carisma franciscano poderemos nos colocar a serviço do mundo inteiro como exemplos de verdadeira alegria. Os franciscanos seculares, na qualidade de batizados, darão o exemplo de uma vida cristã vivida com simplicidade no seio da Igreja. Tal se manifesta vivendo os valores de obediência ao Espírito Santo, confiança na Providência, uso reconhecido e simples dos dons do universo, alegria pelas obras de Deus que nos circundam, alegria se sermos cristãos na Igreja, gratidão pelo trabalho concebido como um dom, presteza em ajudar os outros ( p. 94-95).


Os franciscanos seculares “se evangelizam” quando frequentam os Evangelhos com simplicidade e desejo de ler a vontade de Deus, quando sua oração é feita com desejo ardente e seráfico, quando se entregam a Deus na eucaristia, se possível cotidiana, quando cultivam uma delicadeza de consciência diante das exigências do Evangelho e daquilo que lhes é pedido para serem santos, quando criam laços de fraternidade. Não se pode admitir um franciscano secular rotineiro, repetidor de mesmices, feito de pressa, sem sonhos de um amanhã, sem acreditar na utopia do Evangelho. Os ministros locais, formadores e assistentes espirituais são responsáveis em fazer de sorte que os seculares sejam evangelizados. Os verdadeiros franciscanos são “pessoas que sentem sempre saudade do Evangelho”.


“Evangelizadora como é, a Igreja começa por se evangelizar a si mesma. Comunidade de crentes, comunidade de esperança vivida e comunicada, comunidade de amor fraterno, ela tem necessidade de ouvir sem cessar aquilo que ela deve acreditar, as razões de sua esperança e o mandamento novo do amor” ( Evangelii nuntiandi, 15). Em nossos dias e na concretude podemos lembrar alguns elementos que ajudam na tarefa do evangelizar-se: prática em fraternidade ou em outras instâncias da leitura orante da Bíblia, participação nas Oficinas de Oração (Frei Inácio Larañaga), participação em dias ou tardes de oração e de aprofundamento da intimidade com o Senhor, leitura e assimilação dos escritos de Francisco e Clara, não deixar de enxugar o suor da fronte de Cristo nos passantes ao longo do caminho de nossa vida. Valem para os terceiros franciscanos as palavras que o Ministro Geral da OFM dirigiu aos seus frades em documento falando dos oitocentos anos do carisma: “À distância dos 800 aos da experiência de Francisco, (...) somos chamados a descobrir o Evangelho como livro de vida – sem reduzi-lo a uma ideologia, mais uma entre muitas - e assumi-lo como livro de leitura frequente, texto fundamental de nossa formação, que ilumine nossas opões de vida e possa justificá-las. Queridos irmãos, voltemos ao Evangelho, porque voltar para o Evangelho é voltar para o Cristo, o único que pode justificar nossa vida. Voltemos ao Evangelho e seremos resgatados de nossas misérias e nossas escravidões, de nossos medos e de nossas tristezas, e resgataremos os homens nossos irmãos de suas misérias e escravidões, de seus medos e tristezas. Voltemos ao Evangelho e respiraremos ar puro: nossas propostas serão novas; a coragem, a inteligência, a generosidade, a fidelidade de muitos irmãos nossos, gastos sem reservas e sem restituição, darão fruto e fruto abundante (Capítulo Extraordinário, Monte Alverne 2006).


Todas essas nossas fraternidades, pequenas ou grandes, de gente nova e gente mais idosa, no Brasil, no México, em Angola ou na Itália, feitas de gente em estado de conversão, de pessoas que também mostram a Deus suas mãos vazias, mas gente que sabe que a força se manifesta na fraqueza, todos haverão de se convencer que serão evangelizadores. Os que vão sendo evangelizados se tornam evangelizadores. O campo é vasto, cheio de percalços, mas é a seara do Senhor. Ele já está em ação, nos precede no trabalho. Não somos nós que vamos começar. Quanto a fazer e quão poucos os operários! Os franciscanos seculares não se omitirão.


Há perguntas que queimam no interior daqueles que buscam veladamente a plenitude. Quanto ao sentido da vida, do mundo, do casamento? Por que a guerra quando somos feitos para a paz? Por que tantos morrem de fome na Somália? Como criar condições de instauração de uma convivência harmônica entre os povos? Como superar os convites da cultura moderna que quer viver aqui e agora, sociedade do consumo, sociedade sem futuro. Ora, no seio do mundo, a Igreja pede a colaboração evangelizadora dos franciscanos seculares.

  • Desnecessário lembrar que os franciscanos seculares pregam, antes de mais nada, pelo testemunho discreto exemplo e pelo serviço humilde.

  • Um campo privilegiado de evangelização, sem dúvida, é o universo da família. As famílias, as nossas famílias e a dos outros... famílias novas, não camisas de força, mas espaços de crescimento, de acolhida mútua, de auscultação dos desígnios de Deus. Famílias corajosas diante dos desafios da fidelidade, da transparência, do respeito pela vida desde a sua origem e até o final, sem expedientes escusos. Famílias que não sejam marcadas pelo consumismo, pelo modismo e pela sociedade do gozo e do prazer. Evangelizamos nossos próprios familiares para sermos mais qualificados como agentes da pastoral e da evangelização, do casamento e da família. Não é isso evangelizar? Evangelização com a qualidade de agentes que tomam distância do consumismo.

  • Pensamos aqui em toda uma colaboração nitidamente evangélica que os agentes de pastoral franciscanos podem oferecer. Não são eles apenas “palestrantes” de cursos de batismo ou animadores de assembleia sem padre, para dar apenas dois exemplos. Com seu jeito franciscano serão acolhedores, simples, alegres e procurarão viver uma pastoral por etapas, de gente que acompanha gente, de gente que fala aquilo que faz parte de sua profissão de vida, que é o seguimento do Evangelho. Não seremos meros “tocadores de obras”, mas animadores pelo fogo do Evangelho. Até que ponto podemos dizer que ação pastoral e evangelizadora dos franciscanos seculares têm características próprias?

  • Místicos e seráficos, os franciscanos seculares transpiram o desejo da união íntima com Deus. Não nos cansamos de repetir: precisamos de seres de desejo e não simplesmente pessoas que realizem serviços. Um monge da comunidade de Bose, na Itália, falando do desejo assim se exprime: “A sociedade de consumo difundiu, sobretudo entre os jovens, a ideia de poderem se satisfazer em tudo e que a felicidade consiste no ser saciado, repleto, cumulado, vendo satisfeitas todas as necessidades. O Ocidente é cada vez mais uma sociedade de obesos, de gente locupletada. A sociedade consumística é uma prisão do desejo que se vê reduzida à necessidade que se satisfaz imediatamente. O desejo tem a ver com o sentido e propriamente é inextinguível. O desejo é constitutivamente marcado por uma falta, uma não-saciedade que se torna um principio dinâmico e de projeção para adiante. O verdadeiro desejo é aquele em que o objeto do desejo não sacia, mas vai se aprofundando. O desejo é insaciável porque aspira aquilo que não pode possuir: o sentido. É o sentido que seduz o desejo. A sociedade de consumo propaga satisfação e assim elimina o horizonte da vida da pessoas” ( La Rivista del Clero Italiano 4/2011, p.261)

  • Em cada um dos continentes, onde está presente a Ordem Franciscana Secular, as necessidades evangelizadoras serão diferentes. Não existe uma regra universal. Temos que interpretar, à luz da fé, as situações concretas do povo ao qual servimos. A Igreja estará sempre atenta aos sinais dos tempos. Trata-se da situação atual da humanidade que precisa ser esclarecida com a luz do evangelho. Pensamos aqui nos grandes desafios mundiais e na situação concreta de tantos povos dizimados por ditadores cruéis e pelo fantasma da fome. Onde estão os franciscanos seculares?

Estas poucas reflexões tiveram a finalidade de chamar a atenção para o tema do Capitulo Geral. Certamente conferencistas, círculos de estudos, painéis haverão de esclarecer o assunto. Os franciscanos seculares estão num constante processo de conversão para poderem ser os mais aptos agentes de evangelização. À guisa de conclusão queremos transcrever algumas linhas do Documento de Aparecida que lança uma certa luminosidade em todo o tema: “Muitos católicos se encontram desorientados frente à mudança cultural. Compete à Igreja denunciar claramente estes modelos antropológicos incompatíveis com a natureza da dignidade do homem. É necessário apresentar a pessoa humana como centro de toda a vida social e cultural, resultando nela: a dignidade de ser imagem e semelhança de Deus e a vocação de ser filhos no Filho, chamados a compartilhar sua vida por toda a eternidade. A fé cristã nos mostra Jesus Cristo, como a verdade última do ser humano, o modelo no qual o ser humano se realiza em todo o seu esplendor ontológico e existencial. Anunciá-lo integralmente em nossos dias exige coragem e espírito profético. Neutralizar a cultura de morte com a cultura cristã da solidariedade é imperativo que diz respeito a todos nós e que foi objetivo constante do ensino social da Igreja. No entanto, o anúncio do Evangelho não pode prescindir da cultura atual. Esta deve ser conhecida, avaliada e, em certo sentido, assumida pela Igreja, com linguagem compreendida por nossos contemporâneos. Somente assim a fé cristã poderá aparecer como realidade pertinente e significativa de salvação. Mas essa mesma fé deverá gerar modelos culturais alternativos para a sociedade atual. Os cristãos, com os talentos que receberam, talentos apropriados, deverão ser criativos em seu campos de atuação: o mundo da cultura, da política, da opinião pública, da arte e da ciência” (n. 480).

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