domingo, 2 de outubro de 2011

A gratuidade nas relações fraternas

Por Frei Edson Matias, OFMCap.
"E este é o mandamento que dele recebemos: aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão." (Jo 4, 21).

Nossa vida franciscana está fundada naquela descoberta que realizou Francisco de Assis: a fraternidade. Essa por sua vez rompe nossos círculos de amizades e até mesmo de relacionamentos de parentesco. Entretanto, essa descoberta se faz essencialmente na pessoa de Jesus Cristo. Logo, descobrimos tal riqueza e depois a universalizamos na convivência fraterna, pois Deus se faz presente no irmão. Todavia, devemos reconhecer, na maioria das vezes, nosso mau entendimento de fraternidade.
Quando pensamos e queremos uma fraternidade de pessoas iguais (uniformidade), que tenham e façam as mesmas coisas, estamos fora daquilo que intuiu, pela ação do Espírito, Francisco de Assis. Temos em nossas comunidades franciscanas muitas pessoas que assim se comportam. Não suportam a dureza da diferenciação. Querem tudo a seu modo e desprezam os contratempos que requer qualquer relação verdadeira e fraternal. Querer uma comunidade de iguais é desprezar as riquezas dos dons que Deus nos apresenta e além do mais, é permanecer no egoísmo. Precisamos ter a ternura e o vigor de um Francisco de Assis para compreender essa dinâmica.
Outra questão que temos que aprofundar para compreender melhor o que seria uma fraternidade franciscana é o afeto mútuo entre seus membros. Ter afeto não é ficar com ‘milindres’, com ‘afetação’ superficial, mas antes, é sentir que todos pertencem a um ideal concreto, precisando fazer a manutenção dele. Confundir fraternidade com um grupo que tem que dar tudo certo é começar errado. Temos erros, temos acertos, temos dores, etc. uns são mais sensíveis, outros mais frios, outros mais próximos ou mais distantes. E todos têm o que contribuir. Somente entendendo que uma comunidade se forma na diversidade é que poderemos descobrir suas riquezas. E somente aquele que a descobriu pode lutar pela liberdade das pessoas na formação da mesma.
A espiritualidade franciscana, ou seja, o modo que Francisco de Assis e seus primeiros companheiros e as diversas vivencias que se teve ao longo de mais de 800 anos de carisma, nos dá a base para buscar o caminho da fraternidade. Vemos nessas experiências que não podemos deixar de lado a intimidade com Jesus Cristo. E nessa relação como Senhor os franciscanos detiveram mais especialmente em três momentos: o presépio, a eucaristia e a cruz. Se meditamos bem, veremos que um aspecto perpassa as três realidades: não seria outra coisa a não ser a “Dama pobreza” ou a “pobreza do Espírito”. Estes momentos retomam o ‘desapego total’ que Jesus Cristo assumiu. Em se desapegando foi livre para amar.
Aqui está o grande segredo da espiritualidade franciscana: ser desapegado, gratuito, como Jesus o foi. Tal postura é um golpe ao nosso egoísmo. Quando queremos que uma fraternidade seja isso ou aquilo, do meu jeito, estamos fora desse modo de operar do Espírito, pois na realidade queremos fazer nossa própria vontade e não a de Deus. Uma fraternidade somente pode existir na abertura total, na disponibilidade total de acolhida do diferente. Uniformizar uma fraternidade é sufocar o Espírito, é não ser obediente.
Os que estão apegados as leis e formulas logo se questionam se tal postura não se trataria de preguiça ou alguma forma de ‘irresponsabilidade’, mas na verdade é porque não conseguem deixar que outra Autoridade se forme: a do Espírito. Precisa constantemente colar alguma legislação para formar aquilo que elas entendem por fraternidade, entretanto, o que se cria é uma pseudo-fraternidade que passou a existir a partir do egoísmo. Somente a abertura ao outro, ao diferente, e isso sem limites, poderá gera um clima favorável ao surgimento da fraternidade. Pois essa somente pode aparecer com aquele amor de mãe, ou melhor, aquele amor do Pai pelo filho que volta depois de gastar tudo. Isso mesmo, não cobra nada! Nada! O amor é de graça! Assim é o modo de operar do Espírito e assim também deve ser uma fraternidade. Independentemente dos conflitos, o acolhimento sempre é o remédio e jamais a lei.
A lei pela lei normalmente surge em uma fraternidade quando ela nos favorece. Quando sabemos, egoisticamente, que ela pode me favorecer em algum aspecto, seja me dando honras, aplausos, tornando-me visível. Assim, quando preso por ela, vale apena investigar as raízes desse desejo inflamado que toma conta do coração e afeta as relações.
Como franciscanos devemos tomar consciência que a fraternidade não é lugar de legalismos, mas de encontros verdadeiros, de acolhimentos sinceros. Onde eu e o outro podemos ser sujeitos, possibilitando um ambiente de trocas de dons. Nossas normas institucionais são instrumentos auxiliadores e não mecanismos de exclusão ou de manobra para livrar-nos de nossas responsabilidades fraternas.

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