quarta-feira, 9 de junho de 2010

Vocação Franciscana


Frei Aluísio Alves Pereira Júnior, OFMFrann

1. O QUE É “VOCAÇÃO”? POR QUE “FRANCISCANA”?
a) “A palavra vocação deriva do verbo latino vocare, que significa simplesmente “chamar”. Ela é, pois, a tradução do termo vocatione, que por sua vez quer dizer chamado, chamada, convite, apelo. Por detrás de todos esses termos está a raiz vox, vocis, isto é, voz. Portanto, vocação quer dizer tão-somente chamamento ou chamado. Nada mais!

Esse significado etimológico é muito importante. Ele nos ajuda a corrigir certa distorção implantada aos poucos no sentido da palavra vocação. De fato, numa visão corriqueira, existe uma forte tendência que leva muito facilmente as pessoas a identificar a vocação como pura e simplesmente uma inclinação ou aptidão. Ao que tudo indica, ela é vista muito mais como um gosto pessoal. É verdade que essa aptidão ou inclinação deve existir. O que não podemos esquecer, porém, é que ela é uma conseqüência. No conceito de vocação, o que aparece em primeiro lugar é o ato de chamar, o chamado. A aptidão, a inclinação são secundárias, vêm como resposta à proposta recebida. Os bons dicionários da língua portuguesa registram esse significado. O Aurélio, por exemplo, explica vocação como ato de chamar, escolha, predestinação. Só num terceiro e quarto momentos a define também como tendência, disposição, pendor, talento e aptidão.
Vemos assim que a própria expressão semântica da palavra vocação ajuda a entender melhor seu significado teológico. Não excluindo o aspecto da aptidão, ela já nos mostra com clareza que a vocação não pode ser reduzida a isso. Antes da inclinação encontra-se algo muito mais essencial; algo que fundamenta e dá sentido ao gosto pessoal e à tendência. A própria etimologia nos diz que reduzir a vocação à simples aptidão seria esvaziá-la completamente. Ninguém seria levado a fazer alguma coisa, a gostar de algo, se não fosse ao mesmo tempo atraído pela força misteriosa do chamamento” (Pe. José Lisboa Moreira de Oliveira, SDV, no livro “Teologia da vocação: temas fundamentais”, IPV/Ed. Loyola, p. 19).
b) Quando usamos o adjetivo franciscano ou franciscana queremos nos referir a tudo o que está relacionado a São Francisco de Assis e à sua espiritualidade. Porém, é necessário que tenhamos muita clareza da consciência que São Francisco tinha de não ser o dono de nada nem de ninguém nem o autor de nada. As palavras que ele usa em seu Testamento deixam muito clara a certeza que ele tinha da ação de Deus em sua vida: O Senhor me concedeu... O Senhor me conduziu... O Senhor me deu... O Senhor me revelou... Estas palavras, dentre muitas e muitas outras presentes em seus escritos, demonstram “a base da experiência vocacional de Francisco e de Clara de Assis e, como tais, apontam a direção, indicam o jeito franciscano de trabalhar o processo vocacional” (Cf. Fundamentos para uma Pastoral Vocacional Franciscana, SAV-FFB, p. 19). Portanto, cultivar a vocação franciscana exige basicamente esta profunda atitude de pobreza: é Deus que realiza tudo em mim, sou seu instrumento, todo bem vem d’Ele e para Ele há de retornar, pois Ele é a fonte de todo o bem e só Ele faz maravilhas (cf. Lc 1,49).
2. ELEMENTOS BÁSICOS DA VOCAÇÃO FRANCISCANA
a) Seguir Jesus Cristo
Francisco e Clara de Assis tiveram como atitude fundamental em suas vidas seguir Jesus Cristo pobre, humilde e crucificado e viver a pobreza e a humildade de sua Santa Mãe Maria, como discípulos fiéis ao Evangelho. Este seguimento de Jesus Cristo estava afirmado num tripé: o Cristo do presépio (daí a sua predileção pelo Natal do Senhor), o Cristo da Ceia (que se expressava numa ardente devoção pela Eucaristia) e o Cristo da Cruz (as palavras “O Amor não é amado” expressam bem a preocupação de Francisco pela ingratidão da humanidade diante do Amor de Jesus crucificado, que se doa integralmente pela salvação de todos). Eis aí o fundamento da mística e da espiritualidade franciscana (Cf. idem, p. 20).
b) Como irmãos(ãs) menores
O seguimento de Jesus Cristo implica necessariamente em aprender a grande lição que Deus nos dá vindo ao mundo: Ele se faz nosso irmão! Ele se faz menor! Assim, os irmãos e as irmãs menores são chamados a se amarem e se nutrirem mutuamente a modo de mãe e filho: “Se a mãe ama e nutre seu filho segundo a carne, quanto mais cada um deve amar e nutrir seu irmão segundo o espírito” (RnB 9,14)! E, como irmãos e irmãs, fazem-se servidores de todos, especialmente daqueles com os quais Jesus se identificou e serviu (Cf. Mt 25,34-40; Lc 6,20-23).
c) Numa fraternidade universal
Somos parte da grande obra da Criação que Deus realizou e continua realizando no mundo. Somos irmãos e irmãs de todas as criaturas e de todas as coisas criadas por Ele. O Cântico do Irmão Sol expressa de forma singular esta consciência cósmica de São Francisco, este modo de se sentir parte de um grande todo e de viver entre todos a Fraternidade universal, onde devem reinar relações de amor, justiça, paz e serviço, como filhos aprendendo a lição do Pai-Criador e convidando a tudo e a todos a louvá-Lo!
d) Itinerantes e missionários, como profetas da alegria
O testemunho alegre de vida é a expressão clara de quem se deixou levar pela dinâmica de Francisco e Clara de Assis. Pobres, desapegados, livres, sem amarra nenhuma, somos enviados pelo mundo a testemunhar a alegria de ser amados(as) por Deus, a anunciar o Caminho que Ele nos propõe para sermos felizes de verdade e a denunciar profeticamente tudo que fere a imagem de Jesus Cristo nos seus filhos e filhas, especialmente os mais pobres e desvalidos deste mundo, preferidos de Deus.
3. CONDIÇÕES PARA VIVER A VOCAÇÃO FRANCISCANA
a) A “inspiração divina”
Como vimos acima, vocação é chamado amoroso de Deus, é dom de Deus. Como chamado de Deus, exige uma atitude de fé e de serviço filial a Ele. Deus deve ser Aquele que suscita o chamado em mim, é Ele quem me concede este dom. Não se trata de tão simplesmente fazer a minha vontade, satisfazer os meus gostos e atender às minhas tendências, mas, sim, desejar ardentemente fazer a vontade de Deus, pois é Ele quem me conhece a fundo e sabe o caminho melhor para me fazer livre e feliz! Francisco e Clara cresceram nesta certeza.
b) “Querer abraçar esta vida”
A resposta ao chamado deve ser livre, idônea, madura, responsável. Contando com a graça de Deus, é claro, para ser fiel a esta resposta, que se traduz depois em compromisso de vida. A liberdade em dar a resposta caminha junto com a vontade de viver a vocação no dia a dia, sempre de novo renovando o entusiasmo e a alegria presentes no ponto de partida.
c) “Deixar tudo” (cf. Lc 14, 26-27.33)
A confiança (FÉ) n’Aquele que chama é a atitude básica que me faz disponível a me entregar inteiramente a Ele, desamarrando-me de tudo e de todos que me possam dificultar o “ir pelo mundo”. Esta atitude só é possível quando, de fato, se trata de vocação, ou seja, de inspiração divina. Deus mesmo, que chama, nos dá as forças necessárias para assumi-Lo como o Tudo. Só Ele nos bastará! Francisco expressa isto certamente com aquelas palavras “Meu Deus e meu tudo!”. Francisco e Clara de Assis buscaram a pobreza ao extremo para melhor se aproximarem do Cristo pobre.
d) Disposição e abertura para a vida fraterna minorítica
“A vocação franciscana inclui o viver em comunhão com tudo e com todos, em desprendimento, itinerante, dispondo-se para o exercício da fraternidade, em desprendimento, na renúncia de si, das coisas, dos lugares...” (Fundamentos..., p. 24) Ser fraterno, ser menor – eis aí a expressão da vida franciscana. São Francisco quis que seus Irmãos fossem menores.

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