domingo, 25 de setembro de 2011

A Pobreza de Espírito

Por Frei Edson Matias, OFMCap.

O discurso sobre a pobreza no franciscanismo percorreu os séculos. Hoje ele ainda causa confusão. Uns dizem que se trata de uma vivência espiritual e não somente de desapego de bens materiais. Outros vão reforçar o desapego a qualquer forma de propriedade. Cada um tenta encontrar o caminho e todos parecem partir de um desejo de fazer o bem. Entretanto, a vivência da pobreza requerida pelos primeiros franciscanos, parece ir além dessas propostas unilaterais.

Quando se toma somente o desapego material, como acontece em diversos movimentos ‘franciscanos’ atuais, que se mesclam com a espiritualidade pentecostal, acabam por exteriorizar em suas roupas, no modo de viver, etc. Entretanto, em alguns casos, e aqui não queremos fazer juízo de valor, mas simplesmente apresentar uma constatação, fica na superficialidade das aparências, tornando a própria proposta de pobreza fruto de um orgulho. Principalmente quando passam a julgar outros grupos por viverem com suas posses. Isso também já vimos nos movimentos pauperísticos na época de Francisco de Assis.

Hoje, como a sociedade está baseada mais na imagem, a tentativa de ver o carisma franciscano pela exterioridade atrai muitos. Trata-se de uma linguagem que atinge principalmente os jovens. Mas sabemos que os movimentos são coerentes quando ocorre a perseverança. Logo, não cabe a nós fazer julgamento por si só. A história mostra a força do carisma.

Já o outro modelo, da pobreza espiritual, às vezes cai no erro de prender em suas posses. Isso ocorre tanto a nível institucional como a nível pessoal. Religiosos que não gostam de estar com os menos favorecidos, ou até querem, mas para viver a custa da imagem deles. E instituições que visam o seu estabelecimento em detrimento a evangelização, usando como desculpa o discurso sobre a pobreza espiritual, ou seja, não se precisa livrar dos bens é só não se apegar a eles. Francisco diria a essa instituição que o ser humano não pode tentar a Deus. É como dizer: “vou ter, mas não vou me apegar!”. Essa desculpa, que desconhece de que barro somos feitos, não se cola no modo de vida intuído pelo pobrezinho de Assis.

Nas Admoestações Francisco deixou claro sua proposta:

1 Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus (Mt 5,3). 2 Há muitos que perseveram nas suas orações e trabalhos, fazendo muitas abstinências e suportando aflições em seus corpos. 3 Mas por uma só palavra que parecer injúria para o seu próprio eu, ou por alguma coisa que tirarem deles, logo se perturbam, escandalizados. 4 Esses não são pobres de espírito; porque o verdadeiro pobre de espírito odeia a si mesmo e ama os que batem no seu rosto (cfr. Mt 5,39). (Adm. 14).

Difícil adentrar nesse modelo proposto por Francisco de Assis. Como compreender a frase: “o verdadeiro pobre de espírito odeia a si mesmo e ama os que batem no seu rosto”? Como entender isso em uma sociedade que prega constantemente o bem estar, a ausência de ofensas e a tranqüilidade para todos? A proposta da espiritualidade franciscana não sobrevive em meios melindrosos. Ela suporta a adversidade e relê o sofrimento, fazendo vibrar a vida onde parece haver morte. O ser humano, burilado no Espírito, no modo de agir de Deus, sabe que tem limitações e necessita de correções. Adentrando em um patamar significativo de vivência com o Mistério, sabe que nunca está pronto e que qualquer fantasia que o faça sentir maduro não é outra coisa a não ser tentação ‘diabólica’.

O ser humano treinado no modo de agir do Espírito sabe que toda a maturidade e a vida espiritual é um dom e não uma conquista pessoal, pois mesmo a busca e a disposição já é graça de Deus. Por isso não se arroga em si mesmo, e sim, atribui Àquele que é responsável por tal façanha. Esse ser humano pobre não se apega a pobreza exterior ou a discursos sobre a pobreza espiritual, porque sabe sua origem. Ele se apresenta tranqüilo e normalmente esta longe de se gloriar, por isso costuma se afastar dos holofotes, recolhendo-se na intimidade de seu coração. Tal postura não é de isolamento, e sim de meditação/contemplação. O que caracteriza tal diferença é o bem estar que causa nas pessoas que se encontra com ele.

Odeia a si mesmo não como desprezo de sua condição (humana), mas como um julgamento justo que faz a si mesmo: não gloriar a não ser na cruz do Senhor. Despreza a si mesmo porque aprendeu a se colocar em situações onde pode ser testado e vir à tona quem verdadeiramente é. Não foge de si e se abre para o encontro, mesmo que isso seja dolorido. (Por ex. encontro com o leproso).

Vemos que a proposta de Francisco de Assis está muito além de qualquer discurso da pobreza espiritual ou da exterior. Essas podem ocorrer, mas são secundárias. Uma coisa não se tem dúvida: O que se precisa na atualidade é o resgate desse modo de pobreza intuída pelo o Pobrezinho de Assis.

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