Por Frei Raniero Cantalamessa, OFMCap.
Terceira pregação do Advento de 2011 à Casa Pontifícia
1. A fé cristã cruza o oceano
No dia 12 deste mês, o continente americano celebrou a festa de Nossa Senhora de Guadalupe, que, no México, é uma festa de preceito. Feliz coincidência, nesta meditação, falarmos da terceira onda evangelizadora na história da Igreja: aquela que acompanhou a descoberta do novo mundo. Nunca como na história desta devoção Maria mereceu tanto o título de estrela da evangelização.
Vamos relembrar, com pinceladas, o desenrolar-se daquela empreitada missionária. Antes de tudo, uma observação. A Europa cristã, junto com a fé, exportou para o novo continente também as suas divisões. No fim dessa grande onda missionária, o continente americano vai reproduzir exatamente a situação da Europa: um Sul de maioria católica e um Norte de maioria protestante. Nós vamos abordar aqui somente a evangelização da América Latina, até porque foi a primeira que aconteceu logo após a descoberta do novo mundo.
Depois que Cristóvão Colombo, em 1492, voltou da viagem com a notícia da existência de novas terras, que ainda eram tidas como parte da Índia, a Espanha católica tomou, inseparavelmente misturadas, duas decisões: a de levar a fé cristã para os novos povos e a de estender sobre eles a soberania política espanhola. Com esta meta, conseguiram do Papa Alexandre VI o reconhecimento do direito da Espanha a todas as terras descobertas cem milhas além dos Açores, e para Portugal as que ficassem antes dessa linha. Depois, a linha foi mexida em favor de Portugal, o que legitimou a sua posse do Brasil. Delineava-se, assim, inclusive linguisticamente, o rosto futuro do continente latino-americano.
Quando penetravam num país, as tropas divulgavam toda vez um requerimento que mandava os habitantes abraçarem o cristianismo e reconhecerem a soberania do rei da Espanha. Só alguns grandes espíritos, em primeiro lugar os dominicanos Antonio de Montesinos e Bartolomeo de Las Casas, tiveram a coragem de levantar a voz contra os abusos dos conquistadores e em defesa dos direitos dos nativos. Em pouco mais de cinquenta anos, graças também à fragilidade e às divisões dos reinos locais, o continente já estava sob o domínio espanhol e, pelo menos nominalmente, sob domínio cristão.
Os historiadores recentes tendem a atenuar as sombras que o passado lançou nessa obra missionária. Primeiramente, ressalta-se que a maioria dos povos nativos sobreviveu com a própria língua e nos próprios territórios, tanto que puderam retomar e reafirmar depois a sua identidade e independência, ao contrário do que foi feito com as tribos indígenas da América do Norte, dizimadas. Devemos considerar também o condicionamento dos missionários à sua formação teológica. Tomando ao pé da letra o adágio “Extra Ecclesia nulla salus”, eles tinham convicção da necessidade de batizar o máximo de pessoas no tempo mais curto, para garantir a sua salvação eterna.
Vale a pena analisarmos um pouco melhor este axioma que teve tanto peso na evangelização. Foram Orígenes e principalmente São Cipriano que o formularam no século III. No começo, ele não se referia à salvação dos não cristãos, mas só à dos próprios cristãos, porque se dirigia aos hereges e aos cismáticos da época, para lembrar a eles que, rompendo a comunhão eclesial, viravam réus de uma grave culpa e se excluíam sozinhos da salvação. Era um axioma voltado aos que saíam da Igreja, e não àqueles que entravam nela.
Mais tarde, quando o cristianismo já era religião de Estado, é que o axioma começou a ser aplicado a pagãos e judeus, com base na convicção, então comum, embora objetivamente errada, de que a mensagem àquela altura já era conhecida por todos, e refutá-la significava tornar-se culpados e merecedores de condenação.
Foi logo depois do descobrimento do novo mundo que aqueles limites geográficos se romperam drasticamente. A descoberta de povos inteiros vivendo fora de todo contato com a Igreja obrigou à revisão de uma interpretação tão rígida do axioma. Os teólogos dominicanos de Salamanca, e, depois, alguns jesuítas, começaram a adotar uma postura crítica, reconhecendo que era possível estar fora da Igreja sem ser necessariamente culpado e excluído da salvação. E mais: diante dos modos e métodos inaceitáveis com que o Evangelho tinha sido anunciado aos nativos em alguns casos, foi questionado pela primeira vez se eram mesmo culpados aqueles que, mesmo tendo conhecido o anúncio cristão, não o tinham abraçado (F. Sullivan, Salvation outside the Church? Tracing the History of the Catholic Response, Paulist Press, Nova Iorque, 1992).
2. Protagonistas: os frades
Este não é o contexto para dar um parecer histórico sobre a primeira evangelização da América Latina, é claro. No seu quinto centenário, em maio de 1992, aconteceu um simpósio internacional de historiadores, em Roma, sobre o assunto. No discurso aos participantes, João Paulo II afirmou: “Sem dúvida, nessa evangelização, como em toda obra do homem, houve acertos e erros, luzes e sombras. Mais luzes do que sombras, a julgar pelos frutos que encontramos depois de quinhentos anos: uma igreja viva e dinâmica que representa hoje uma parte relevante da Igreja universal” (14 de maio de 1992).
Por outro lado, naquela ocasião, alguns falaram da necessidade de uma “descolonização” e “desevangelização”, dando a impressão de preferirem que a evangelização do continente não tivesse jamais acontecido em vez de ter sido do jeito que conhecemos. Com todo o respeito devido ao amor pelos povos latino-americanos que movia esses autores, eu acredito que aquela opinião deve ser energicamente refutada.
A um mundo sem pecado, mas sem Cristo, a teologia mostrou preferir um mundo com pecado, mas com Cristo. “Oh, culpa feliz”, exclama a liturgia pascal no Exultet, “que nos permitiu tão grande redentor!”. Não deveríamos dizer o mesmo da evangelização de ambas Américas, do Sul e do Norte? A um continente sem “os erros e sombras” que acompanharam a sua evangelização, mas também sem Cristo, quem não preferiria um continente com tais sombras, mas com Cristo? Que cristão, de esquerda ou direita, especialmente se for sacerdote ou religioso, poderia dizer o contrário sem desprezar, por isso mesmo, a própria fé?
Eu li em algum lugar esta afirmação que compartilho por inteiro: “A coisa mais importante que aconteceu em 1492 não foi que Cristóvão Colombo descobriu a América, mas que a América descobriu Jesus Cristo”. É verdade que não era o Cristo integral do Evangelho, para quem a liberdade é o pressuposto da fé, mas quem pode pretender apresentar um Cristo livre de qualquer condicionamento histórico? Quem propõe um Cristo revolucionário, contestador das estruturas, diretamente engajado também na luta política, não esquece talvez alguma coisa de Cristo, como aquela afirmação de que “o meu reino não é deste mundo”?
Se na primeira onda evangelizadora os protagonistas foram os bispos, e na segunda os monges, nesta terceira os protagonistas indiscutíveis foram os frades, ou seja, os religiosos das ordens mendicantes, em primeiro lugar os franciscanos, dominicanos, agostinianos, e, num segundo momento, os jesuítas. Os historiadores da Igreja reconhecem que, na América Latina, “foram os membros das ordens religiosas que determinaram a história das missões e das igrejas” (Cfr. Glazik, op. cit., p. 708).
Quanto a isso, vale o parecer de João Paulo II de que “há mais luzes do que sombras”. Não seria honesto desconhecer o sacrifício pessoal e o heroísmo de tantos desses missionários. Os conquistadores eram movidos pelo espírito de aventura e pela sede do lucro, mas os missionários podiam esperar o quê quando deixavam pátria e convento? Eles não iam pegar, mas doar. Eles queriam conquistar almas para Cristo, não súditos para o rei da Espanha, mesmo compartilhando o entusiasmo nacionalista dos seus compatriotas. Quando lemos histórias ligadas à evangelização de um território particular, vemos o quanto os juízos genéricos são injustos e distantes da realidade. Eu acabei lendo in loco a crônica do início da missão na Guatemala e nas regiões vizinhas. São histórias de sacrifícios e peripécias inenarráveis. De um punhado de vinte dominicanos que partiram para o novo mundo e para as Filipinas, dezoito morreram na viagem.
Em 1974 aconteceu o sínodo sobre “a evangelização no mundo contemporâneo”. Em nota manuscrita feita no documento final, que a prefeitura da Casa Pontifícia teve a ideia de publicar no programa destas pregações, Paulo VI apontava:
“Bastará, para os religiosos, o que é dito [no documento]? Não seria de se agregar uma palavra sobre o caráter voluntário, empreendedor, generoso da evangelização dos Religiosos e das Religiosas? A sua evangelização deve depender daquela da Hierarquia e coordenar-se com ela, mas é de louvar-se a originalidade, a genialidade, a dedicação, tantas vezes de vanguarda e com um risco todo deles”.
Este reconhecimento se aplica em cheio aos religiosos protagonistas da evangelização da América Latina, em especial se pensarmos em certas realizações deles como as famosas reduções dos jesuítas no Paraguai, aquelas vilas em que os índios cristãos, a salvo dos abusos da autoridade civil, podiam instruir-se na fé, mas também fazer os seus talentos humanos darem frutos.
3. Os problemas atuais
Agora, como de costume, vamos passar para o hoje e ver o que nos diz a história da experiência missionária da Igreja, que reconstruímos brevemente. As condições sociais e religiosas do continente mudaram tão profundamente que, mais do que insistir no que podemos aprender ou desaprender daquele tempo, é útil refletir na tarefa atual da evangelização no continente latino-americano.
Houve, e ainda há, uma tal quantidade de reflexões e de documentos do Magistério Pontifício, do CELAM e das igrejas locais a este respeito, que seria presunçoso de minha parte pensar em acrescentar alguma novidade. Mas eu posso partilhar uma reflexão sugerida pela minha experiência em campo, já que preguei retiros a conferências episcopais, ao clero e ao povo de quase todos os países da América Latina, e várias vezes em alguns deles. Além disso, os problemas da América Latina neste campo não são afinal tão diferentes dos problemas do resto da Igreja.
Uma reflexão enfocaria a necessidade de superar uma polarização excessiva que está espalhada pela Igreja, mas que é particularmente aguda na América Latina, em especial nos anos passados: a polarização entre alma ativa e alma contemplativa, entre a Igreja do compromisso social com os pobres e a Igreja do anúncio da fé. Diante de qualquer diferenciação, nós somos sempre tentados, instintivamente, a escolher um lado e desprezar o outro. A doutrina dos carismas nos poupa dessa luta. O dom da Igreja católica é ser, justamente, Católica, ou seja, aberta a acolher os dons mais diversos que provêm do mesmo Espírito.
A história das ordens religiosas mostra isso. Elas encarnaram instâncias diversas e às vezes opostas: a inserção no mundo e a fuga do mundo, o apostolado entre os doutos, como os jesuítas, e o apostolado no meio do povo, como os capuchinhos. Há espaço para uns e para outros. E precisamos de uns e de outros, já que nenhum pode realizar o Evangelho integral e representar Cristo em todos os aspectos da sua vida. Cada um deveria, portanto, se alegrar de que outros façam o que ele não pode: quem cultiva a vida espiritual e o anúncio da Palavra deve se alegrar porque existe quem se dedique à justiça e à promoção social, e vice-versa. É sempre válida a admoestação do Apóstolo: “Cessemos definitivamente de julgar uns aos outros!” (cf. Rm 14,13).
Uma segunda observação diz respeito ao problema do êxodo de católicos para outras denominações cristãs. Antes de mais, lembremos que essas denominações diversas não podem ser qualificadas indistintamente como “seitas”. Com algumas, incluindo os pentecostais, a Igreja mantém há anos um diálogo ecumênico oficial, o que ela não faria se as considerasse meramente como seitas.
A promoção desse diálogo, inclusive localmente, é o melhor meio para desanuviar o clima, isolar as seitas mais agressivas e desencorajar a prática do proselitismo. Alguns anos atrás, houve um encontro ecumênico de oração e pregação em Buenos Aires com participação do arcebispo católico e de líderes de outras igrejas, com sete mil pessoas. Ficou clara a possibilidade de uma relação nova entre os cristãos, bem mais construtiva para a fé e para a evangelização.
João Paulo II afirmou, num documento, que a difusão das seitas obriga a questionar o porquê, o que falta à nossa pastoral. A convicção que eu tenho, como fruto da experiência, e não só nos países latino-americanos, é a seguinte. O que puxa para fora da Igreja não são certas formas de piedade popular alternativa, que a maioria das outras igrejas e seitas, aliás, rejeitam e combatem. É um anúncio, parcial, mas incisivo, da graça de Deus, da possibilidade de experimentar Jesus como Senhor e Salvador pessoal, de pertencer a um grupo que se encarrega pessoalmente das necessidades da pessoa, que rezam por ela na doença quando a medicina não tem mais nada a dizer.
Se por um lado podemos nos alegrar porque essas pessoas acharam Cristo e se converteram, por outro é triste que elas tenham precisado deixar a Igreja para isso. Na maioria das igrejas que esses irmãos abraçam, tudo gira em torno da primeira conversão e da aceitação de Jesus como Senhor. Na Igreja católica, graças aos sacramentos, ao magistério, à riquíssima espiritualidade, existe a vantagem de não se ficar nesse estágio inicial, mas de se chegar à plenitude e à perfeição da vida cristã. Os santos são a prova. Mas é preciso que aquele início consciente e pessoal seja oferecido, e é nisto que o desafio das comunidades evangélicas e pentecostais nos estimula.
E a Renovação Carismática se revela, assim, mais do que nunca, segundo a palavra de Paulo VI, “uma chance para a Igreja”. Na América Latina, os pastores da Igreja estão notando que a Renovação Carismática não faz “parte do problema” do êxodo de católicos, como alguns acharam no começo, e sim que ela faz parte da solução. As estatísticas nunca mostram quantas pessoas ficaram na Igreja graças a ela, encontrando no seu âmbito o que outros procuraram fora. As numerosas comunidades nascidas no seio da Renovação Carismática, mesmo com restrições, e às vezes com desvios, presentes em toda iniciativa humana, estão na vanguarda do serviço da Igreja e da evangelização.
4. O papel dos religiosos na nova evangelização
Eu disse que não queria insistir na primeira evangelização. Mas temos que ficar com uma coisa dela: a importância das ordens religiosas tradicionais para evangelizar. O beato João Paulo II dedicou a elas a sua Carta Apostólica do V Centenário da Primeira Evangelização do continente, chamada, no original, “Los caminos del Evangelio”. A última parte trata precisamente dos “religiosos na nova evangelização”: “Os religiosos, que foram os primeiros evangelizadores, e contribuíram de modo tão relevante para manter viva a fé no continente, não podem faltar na convocação eclesial à nova evangelização. Os diversos carismas da vida consagrada tornam viva a mensagem de Jesus, presente e atual em todo tempo e lugar” (“Los caminos del Evangelio”, 24).
A vida de comunidade, o fato de terem um governo centralizado e lugares de formação de nível superior, foi o que permitiu que as ordens religiosas de então tivessem uma tarefa missionária tão vasta. Mas, hoje, como está essa força? Falando de dentro de uma dessas ordens antigas, eu posso me atrever a falar com certa liberdade. A rápida queda de vocações nos países ocidentais está determinando uma situação perigosa: a de se gastarem quase todas as próprias forças na satisfação das exigências internas da família religiosa em si: formação dos jovens, manutenção das estruturas e das obras, sem muitas forças vivas dedicadas ao círculo mais amplo da Igreja. Daí esse voltar-se para si mesmos. Na Europa, as ordens religiosas tradicionais se obrigam a reunir várias províncias em uma e a fechar dolorosamente uma casa atrás da outra.
A secularização, é claro, é uma das causas dessa queda nas vocações, mas não é a única. Comunidades religiosas recentes atraem filas de jovens. Na carta citada, João Paulo II exorta os religiosos e religiosas da América Latina a “evangelizarem a partir de uma experiência profunda de Deus”. Aqui está, acredito eu, o ponto: “uma experiência profunda de Deus”. É isto o que atrai as vocações e cria as premissas para uma nova onda eficaz de evangelização. O adágio “Nemo dat quod non habet”, “ninguém dá o que não tem”, vale como nunca nesta área.
O superior provincial dos Capuchinhos da região italiana das Marcas, e que é meu superior, escreveu para este Advento uma carta a todos os frades. Ele lança uma provocação que eu acho que faria bem que todas as comunidades religiosas tradicionais escutassem:
“Você, que lê estas linhas: imagine que você é o Espírito Santo. Sim, você leu certo: não apenas que está repleto do Espírito Santo, pelos sacramentos recebidos, mas que você é, mesmo, o Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. E, como tal, imagine que você tem o poder de chamar e conduzir um jovem numa estrada rumo à perfeição da caridade, que é a vida religiosa. Você teria a coragem de chamá-lo para a sua comunidade, com a certeza e a garantia de que a sua comunidade é o lugar que o ajudará seriamente a conseguir a perfeição da caridade no concreto da vida cotidiana? Em palavras pobres: se um jovem fosse viver alguns dias ou meses na sua comunidade, compartilhando a oração, a vida fraterna, o apostolado... ele se apaixonaria pela nossa vida?”.
Quando nasceram as ordens mendicantes, dominicanos e franciscanos, no começo do século XIII, as ordens monásticas pré-existentes também se beneficiaram deles e responderam ao chamado de uma pobreza maior e de uma vida mais evangélica, segundo o próprio carisma. Não deveríamos fazer o mesmo, hoje, nós, das ordens tradicionais, diante das novas formas de vida consagrada suscitadas na Igreja?
A graça dessas novas realidades é multiforme, mas tem um denominador comum chamado Espírito Santo, o “novo Pentecostes”. Depois do Concílio, quase todas as ordens religiosas pré-existentes revisaram e renovaram as suas constituições, mas, já em 1981, o beato João Paulo II alertava: “Toda a obra de renovação da Igreja, que o Concílio Vaticano II propôs e iniciou tão providencialmente, só pode se realizar no Espírito Santo, ou seja, com a ajuda de sua luz e da sua força” (carta apostólica A Concilio Constantinopolitano I,25 de março de 1981).
“O Espírito Santo”, dizia São Boaventura, “vai onde é amado, convidado, esperado” (Sermão para o IV Domingo depois da Páscoa, 2, Ed. Quaracchi, IX, pág. 311). Temos que abrir as comunidades ao sopro do Espírito que renova a oração, a vida fraterna, o amor por Cristo e, com ele, o zelo missionário. Olhar para dentro, para as próprias origens e para o próprio fundador, mas também olhar para frente.
Olhando para a situação das ordens antigas no mundo ocidental, surge espontânea a pergunta que Ezequiel ouviu sobre os ossos secos: “Poderão estes ossos reviver?”. Os ossos secos de que se fala no texto não são os dos mortos, mas dos vivos. São o povo de Israel em exílio, que diz: “Os nossos ossos estão secos, a nossa esperança se desvaneceu, estamos perdidos”. São sentimentos que afloram, às vezes, em nós também, que pertencemos a ordens religiosas de antiga data.
Sabemos a resposta, cheia de esperança, que Deus dá para essa pergunta. “Porei em vós o meu Espírito e retornareis à vida. Colocar-vos-ei sobre a vossa terra e sabereis que eu, o Senhor, falei e fiz acontecer”. Temos que acreditar e esperar também para nós e para a Igreja toda o que diz o final da profecia: “O Espírito entrou neles: tornaram à vida e se levantaram. Eram um grande exército;
Fgrandíssimo” (cf. Ez 37, 1-14).
Neste dia 12, eu dizia no começo, a América Latina celebrou a festa de Nossa Senhora de Guadalupe. Discute-se muito a historicidade dos fatos que originaram essa devoção. Mas o que se entende por fato histórico? Há muitos fatos que aconteceram de verdade, mas não são históricos, porque “histórico”, no sentido mais verdadeiro, não é tudo o que aconteceu, mas só o que, além de ter acontecido, incidiu na vida de um povo, criou algo novo, deixou marca na história. E que marca a devoção à Virgem de Guadalupe deixou na história religiosa do povo mexicano e latino-americano!
É de grande significância simbólica que, no começo da evangelização do continente americano, em 1531, na colina do Tepeyac ao norte da Cidade do México, a imagem da Virgem tenha sido estampada no manto, na tilma, de São Juan Diego como “la Morenita”, ou seja, com os traços de uma humilde moça mestiça. Não se poderia dizer mais sugestivamente que a Igreja, na América Latina, é chamada a ser, e quer ser, indígena com os indígenas, crioula com os crioulos, toda para todos!
Fonte: Reflexões Franciscanas
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