Por Frei Almir R. Guimarães, OFM
O Assistente, presente, amigo, incentivador, acompanhante, formador deverá levar a Fraternidade ao âmago de sua escolha, a compreender forma de vida escolhida. Costuma-se dizer que a pobreza é ponto central da espiritualidade franciscana. Neste contexto pensamos na Admoestação XIV de São Francisco. A vivência desta exortação marca o estagio de maturidade do franciscano. Vale a pena transcrevê-la: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus (Mt 5,3). Muitos há que, insistindo em orações e serviços, fazem muitas abstinências e macerações em seus corpos, mas, por causa de uma única palavra que lhes parece ser uma injúria ao seu próprio eu ou por causa de alguma coisa que lhe lhes tire, sempre se escandalizam (cf; Mt 13.21) e se perturbam. Estes não são pobres de espírito, porque quem é verdadeiramente pobre de espírito se odeia a si mesmo e ama quem lhe bate na face (cf. Mt 5, 39).”
As reflexões de Thaddée Matura sirvam de conclusão para toda nossa reflexão: “Costuma-se afirmar que a pobreza é o ponto central e a característica própria da espiritualidade franciscana (...). Mesmo sendo verdade que Francisco fez para si mesmo e para seus irmãos uma escolha radical de pobreza social: recusa de toda propriedade, do dinheiro etc. deturparíamos gravemente sua visão levando em consideração apenas este aspecto, que ele não propõe aos que vivem no mundo. Sua concepção da verdadeira pobreza que atinge as raízes do ser aponta para insuspeitadas profundezas. Antes de se manifestar na pobreza material da qual é, de alguma forma, um sacramento visível, ela consiste em três comportamentos: 1) reconhecer que todos os bens proveem de Deus; 1) reconhecer que somente o mal e o pecado nos pertencem; 3) carregar cada dia cruz que consiste na submissão a todos, e na aceitação da rejeição, da doença e da morte.
Aquilo que alguém é, que pode realizar, de modo especial no campo das realidades espirituais, é digno de ser considerado grande e belo. Normal e legítimo que venhamos a nos alegrar e nos envaidecer. Pode-se, no entanto, se insinuar uma sutil tentação: eu sou isto, é meu, eu me basto, eu sou como Deus. Para não cair nessa tentação será preciso não nos apropriar de bens que não são nossos. Sim, “não nos gloriemos, não nos exaltemos interiormente com boas palavras e boas ações, nem de algum bem que Deus faz ou diz ou opera em nós e por nós; restituamos todos esses bens a Deus... reconheçamos que eles lhe pertencem, demos-lhe graças por tudo “ (RNB 17, 6-17). O primeiro passo é reconhecer o que há de bom em nós. Uma vez feito isso será preciso devolvê-lo, restituí-lo ao único proprietário, Deus, o único bom. A verdadeira e mais profunda pobreza é de tudo possuir pelo dom de Deus, sem ter nada para si.
“E saibamos que nada nos pertence, a não ser nossos vícios e pecados” (17, 7). A partir do momento em que reconhecemos que incontáveis dons e bens que somos ou que temos, como propriedade de Deus, e que os tenhamos restituído a Deus num movimento de ação de graças, que nos resta? (...) Nada, senão, de acordo com esta dura e forte palavra de São Francisco, “nossos vícios e pecados”, ou ainda segundo a menção de São Paulo “nossas fraquezas” (...) Nossa pobreza consiste na aceitação humilde e misericordiosa desta parte obscura de nós mesmos. Reconhecer esta pobreza, sofrer com ela como se fosse uma doença,, procurar curá-la, saber que não o conseguiremos inteiramente, gritar a Deus em nosso sofrimento e esperar que o médico celeste nos liberte dela, eis a outra face da verdadeira pobreza. A Admoestação V de São Francisco, tão semelhante em seu conteúdo ao belo relato da perfeita alegria, depois de ter descartado todo motivo de orgulho que repousasse por sobre êxitos humanos e dons espirituais os mais elevados, assim se conclui: “”Nisto podemos nos gloriar, de nossas fraquezas e em carregar cada dia a santa cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Adm V). Sabemos o que se deve entender por fraquezas. Em que consiste nossa participação cotidiana na cruz de Cristo? “Devemos alegrar-nos quando formos submetidos a diversas provações e quando suportamos quaisquer angústias da alma e do corpo ou tribulações neste mundo por causa da vida eterna” (RNB 17, 8). O horizonte que Francisco evoca é marcado pelo sofrimento do qual ninguém pode escapar e que o fiel precisa assumir no seguimento de seu Senhor crucificado. Esse desconforto ocorre cada dia em muitas circunstâncias. Se quisermos ser “menores e submissos a toda criatura”, haveremos de encontrar incompreensão, oposição, até mesmo perseguição. Pode ser mesmo que venhamos a ser rejeitados, como Francisco, por seus próximos, como aparece descrito no texto da perfeita alegria. E a vida é ameaçada pela doença e pela morte, duas companheiras inevitáveis que cedo ou tarde chegam para nos visitar” (Thaddée Matura, François d’Assis. Maître de Vie Spirituelle, Ed. Franciscaines, Paris 2000, p. 61-81). Ora, o Assistente espiritual deverá ajudar os franciscanos seculares a viver no mundo esse altíssimo espírito de pobreza.
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