Por Luís Alonso Schöckel via Frei Maffei, OFM
“Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Assim começa a missa e assim começam muitas das nossas orações. E não nos damos conta daquilo que estamos fazendo, talvez porque tenhamos pressa de rezar. Temos a impressão de que fazer o sinal da cruz não é rezar, mas é um simples pórtico de acesso à oração. Não é que façamos um rabisco no ar, apenas reconhecível; fazemo-lo corretamente, mas sem atenção particular, porque temos que recitar uma Ave Maria ou um Pai Nosso, ou estamos para celebrar a missa. No entanto, há poucos momentos de oração tão intensos, tão concentrados, como fazer o sinal da cruz.
Em português temos dois verbos e dois gestos: “benzer-se” (fazer o sinal da cruz) e “persignar-se”. “Benzer” equivale a santificar ou consagrar; a sua forma é uma cruz e uma invocação trinitária. “Persignar-se” é aumentativo e iterativo, como persuadir, perseguir, ou perturbar, e se refere mais propriamente à tríplice cruz “na fronte, nos lábios e no peito”. As palavras que se pronunciam são uma súplica de proteção: “Pelo sinal da santa cruz, livrai-nos, Senhor, nosso Deus, dos nossos inimigos”. Função protetora, diante da função consagradora do fazer o sinal da cruz.
Nesta primeira reflexão gostaria de deter-me no sinal da cruz com a invocação trinitária que está no início da nossa celebração eucarística. Há dois elementos a considerar: o sinal e o nome.
O sinal é um uso cultural muito antigo, que conserva a sua validade em nossos dias. Sinal, marca, contra-senha, etiqueta, inscrição, tabuleta etc.: a pluralidade dos sinônimos indica a presença multiforme desta prática.
Assim se indicava a origem e a propriedade: um edito emanado pelo rei, uma casa propriedade de uma personagem. O costume subsiste em nossos dias, com mudanças acidentais. Grande parte da publicidade, se não toda, baseia-se na marca, que o consumidor deve reconhecer. Vemos uma circunferência com três raios, e reconhecemos a marca do carro; o mesmo acontece com detergentes, bebidas, filmes. Existe a marca registrada. Analogamente, porém, usa-se colocar uma etiqueta, nos próprio livros, e bordam-se algumas letras nos lençóis ou nos lenços. O uso moderno é tão difuso e notório que até podemos sofrer seu influxo em nível sublimar. E com isto compreendemos sem dificuldade um bom número de textos bíblicos.
O contexto cristão. São Paulo diz que “onde há um cristão, há uma nova criação”, ou nova humanidade; há uma nova origem, uma posse nova. O cristão se incorpora a Cristo mediante a fé e permanece marcado. O batismo é um sinal, uma marca vitalícia que não se apaga; esta marca não é outra senão a do Espírito, imposto por Deus; com ele Deus santifica, consagra. A partir desse momento há um homem novo, porque é filho de Deus; ao ser adotado recebe uma participação da vida divina, começa a viver com nova respiração: “Nele também vós, tendo ouvido a Palavra da verdade o evangelho da vossa salvação e nela tendo crido, fostes selados pelo Espírito da promessa, o Espírito Santo, que é o penhor da nossa herança, para a redenção do povo que ele adquiriu para o seu louvor e glória” (Ef 1,13-14). “E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, pelo qual fostes selados para o dia da redenção” (Ef 4,30).
O nascimento para a vida nova exprime-se eficazmente no símbolo da água como seio fecundo da Igreja; acrescenta-se como gesto o sinal da cruz e a invocação ou dedicação ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Sinal e nome.
Em língua moderna, quando alguém age ou faz algo “em nome de”, está representando outra pessoa ou entidade; mas não se usa a expressão “consagrar, dedicar ao nome de N.”, mas simplesmente “dedicar a N.”, se excetua a expressão “pôr em nome de” como passagem de propriedade. Por isso a fórmula batismal: “eu te batizo em nome do Pai”, poderia ser interpretada como se o oficiante agisse “em representação” do Pai. O sentido verdadeiro é uma dedicação total, uma consagração, um pôr no nome (na posse) da Santíssima Trindade.
É tão grande o sinal da cruz e o nem trinitário sobre esta criatura, que ela começa a ser “super-homem”, filho de Deus assinalado para sempre. Mas a nossa vida não é somente o fato radical ontológico, o fundamento último indestrutível, porque nós somos consciência e liberdade. O nosso ser fecundo se desenvolve e se articula através de ações, pequenas ou grandes, diárias e decisivas, íntimas e visíveis, das quais temos consciência, nos lembramos ou nos esquecemos. O homem é ser unitário, profundo, que se realiza em múltiplos aspectos.
Pelo fato de agir como cristão, podemos dizer que toda a atividade de um homem está marcada. Mas visto que nos possuímos através da consciência reflexa, e possuímos o nosso agir através da liberdade, temos que marcar conscientemente todas as nossas obras e atividades, todos os nossos dias, com a marca e o sinal do cristão. O que subsiste de profundo em nosso existir, manifesta-se em uma atividade que enfrentamos, no novo dia que desponta trazendo-nos o programa dos nossos compromissos, e talvez alguma gratificação imprevista. Então assinalamos com a cruz esse dia, essa viagem, essa ação, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Assinalamos a nossa atividade e nosso repouso, as alegrias e as dores, com o sinal da cruz e com o nome trinitário, e assim realizamos o nosso ser cristão no curso da vida. E também a nossa morte será marcada pelo sinal da cruz. Não que as obras e ações tenham necessidade de nova consagração, quando o núcleo profundo da existência já está consagrado pelo batismo; mas com esse ato acrescentamos a toda ação o esplendor da consciência, o dinamismo da liberdade.
E o que significa “assinalar” a nossa atividade com o sinal da cruz? A cruz significa sacrifício por amor, é a morte para a ressurreição. O sinal da cruz sobre as nossas ações significa anular o nosso egoísmo e libertar para o amor; significa renunciar a vaidade, ao prestígio, ao desejo de possuir e dominar, para consagrar a obra a Cristo. É um sacrifício se si, para uma vida mais alta. Uma obra que realizo por pura vaidade não pode levar o sinal da cruz, não está crucificado, não está cristãmente santificada; uma obra de apostolado, por amor do próximo, é oferecida e consagrada: “Ninguém de nós vive e ninguém morre para si mesmo, porque se vivemos é para o Senhor que vivemos e se morremos é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,7-8).
Anular o sentido egoísta de uma ação é marcá-la com a cruz; e é também libertá-la e torná-la disponível por um dinamismo novo, trinitário. Está aqui a grandeza e a responsabilidade de santificar-se.
Então, quanto começamos a obra mais importante as semana ou do dia, quando iniciamos a eucaristia, benzemo-nos no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e o sentido trinitário da celebração eucarística, que tornará a se exprimir nos momentos sucessivos, é proclamado desde o início.
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